quarta-feira, 13 de julho de 2011

Um acontecimento no Mónaco

Havia numa empresa onde trabalhei um rapaz muito conhecido entre o razoável número de funcionários administrativos, não somente pelo modo como se exprimia e pelos assuntos que tratava, mas também pela figura, considerada original para a época (já lá vão cerca de trinta anos). Era um indivíduo que não trazia calças vincadas, não usava gravatas, nunca vestia casacos. Costumava dizer que um inglês que vinha a Portugal e passeava com uma espécie de pijama vestido era considerado um erudito; se fosse português, era um chanfrado qualquer. Este nosso amigo era dono dum rosto alongado e uns olhos negros grandes e bugalhudos, que quase não pestanejavam. Usava umas barbas compridas, que cresciam à vontade e uns cabelos enormes e pretos, sempre em completo desalinho. Fosse pelas barbas, pelos cabelos ou pelo rosto escorrido, a verdade é que lembrava a imagem de Cristo de então, muito embora não fosse louro e de olhos azuis. Convenhamos que, ultimamente, as imagens de Jesus vão surgindo mais de acordo com a região onde nasceu. E até as barbas, quase obrigatórias nos Judeus da época, vão desaparecendo.
O nosso amigo gostava imenso de conhecer outras regiões, particularmente onde havia um museu, uma igreja antiga ou uma capela velha. Enquanto qualquer um de nós se sentava numa esplanada a bebericar uma cerveja e a mastigar uns tremoços ou amendoins, ele lá ia em busca de imagens de santos carcomidos ou dumas frases em latim, acompanhadas de pinturas de lanças a trespassar diabretes ou de rostos voltados para o Alto com aquele ar sereno, próprio da santificação. Depois contava com entusiasmo o que vira, misturando tudo muito bem com política, este um assunto da sua preferência. Em cada conversa repetia sempre: “comentar religião, nunca! O povinho não gosta!” Sempre achei que lhe apetecia imenso falar disso, só que era membro da Junta de Freguesia lá da terrinha e o assunto merecia algum tento na língua. No entanto, era curioso ouvir um indivíduo falar de arte sacra ou pinturas renascentistas e logo de seguida desbobinar acerca de Marx!
 Hoje não lhe dou razão: a religião deve ser criticada se for caso disso, no que tem de bom, de menos bom ou de mau. Se é verdade que, por vezes, haverá algum exagero, como uma imagem de um nariz papal protegido a circular por aí, não é menos verdade que seguramente se pretende chamar à razão os responsáveis religiosos, muito perros a acompanhar o corrente dia a dia.
Recentemente o mundo assistiu a uma celebração espectacular vinda do Principado do Mónaco. Tudo muito rico, tudo muito belo. Desde os noivos aos convidados, passando pelo esplendor do cenário, foi exibida a riqueza que alguns humanos detêm. Rostos famosos, vestimentas de altos costureiros e muitos, muitos chapéus, alguns bem assentem nos cocurutos, outros de lado, parecendo desafiar a gravidade. Gente em espera ansiosa pela troca de alianças, que se faz com promessas para cumprir, na presença de Deus (por isso é que eles ali estarão!), que pode ser num templo, num descampado, numa escadaria famosa ou num monte, como o Horeb, onde Moisés se descobriu, descalçou e ajoelhou, porque há momentos em que o terreno é sagrado.
Contra a riqueza nada tenho. Existe com o ser humano e as suas naturais diferenças. Ensinaram-me que somente ela se distribui, porque a outra, a miséria, multiplica-se. No entanto, uma coisa é a riqueza, outra bem diferente é a sua ostentação. Foi o que ali se viu. Um aparato de poder monetário, que vem sendo corrente num mundo cada vez menos remediado e cada vez mais pobre. Entristece-me notar que são estes a dar corpo a tão sumptuosas celebrações, esperando horas para ver cortejos, dando vivas, admirando a beleza saída da caixa, e gastando quilómetros de filme, que depois nos entram pela porta dentro.
 A minha maior questão centra-se na Igreja Católica. Claro que tem de estar presente nas celebrações e oxalá tenhamos muitos casamentos por esse mundo fora. Mas deve apresentar-se com simplicidade, não com aquele fausto, só por que a ocasião é laureada pela grandeza. Não tem que haver um grande número de elementos sincronizados, formando carreiro em vai e vem constante; nem a presença de tantos altos representantes, ora tomando assento, ora se levantando: um começa a frase, outro prossegue, o quarto ou o quinto finaliza. Trata-se de um casamento! E com alguma conveniência, diga-se, quanto mais não seja para serenar as vozes apontadas a uma vida de desvario, que a religião muito condena! Como também condena, em cada missa, os excessivos gastos nestas ocasiões e toda a pompa inerente. O Padre lê o Evangelho e recorda os ensinamentos do Mestre, que pregou para ricos e para pobres, criticou ambos na devida ocasião, comeu com uns e com outros, privilegiou o talento, dormiu onde a porta se abriu, ensinou a Boa Nova a todos. E fê-lo sempre com toda a simplicidade…

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