quarta-feira, 13 de julho de 2011

Um acontecimento no Mónaco

Havia numa empresa onde trabalhei um rapaz muito conhecido entre o razoável número de funcionários administrativos, não somente pelo modo como se exprimia e pelos assuntos que tratava, mas também pela figura, considerada original para a época (já lá vão cerca de trinta anos). Era um indivíduo que não trazia calças vincadas, não usava gravatas, nunca vestia casacos. Costumava dizer que um inglês que vinha a Portugal e passeava com uma espécie de pijama vestido era considerado um erudito; se fosse português, era um chanfrado qualquer. Este nosso amigo era dono dum rosto alongado e uns olhos negros grandes e bugalhudos, que quase não pestanejavam. Usava umas barbas compridas, que cresciam à vontade e uns cabelos enormes e pretos, sempre em completo desalinho. Fosse pelas barbas, pelos cabelos ou pelo rosto escorrido, a verdade é que lembrava a imagem de Cristo de então, muito embora não fosse louro e de olhos azuis. Convenhamos que, ultimamente, as imagens de Jesus vão surgindo mais de acordo com a região onde nasceu. E até as barbas, quase obrigatórias nos Judeus da época, vão desaparecendo.
O nosso amigo gostava imenso de conhecer outras regiões, particularmente onde havia um museu, uma igreja antiga ou uma capela velha. Enquanto qualquer um de nós se sentava numa esplanada a bebericar uma cerveja e a mastigar uns tremoços ou amendoins, ele lá ia em busca de imagens de santos carcomidos ou dumas frases em latim, acompanhadas de pinturas de lanças a trespassar diabretes ou de rostos voltados para o Alto com aquele ar sereno, próprio da santificação. Depois contava com entusiasmo o que vira, misturando tudo muito bem com política, este um assunto da sua preferência. Em cada conversa repetia sempre: “comentar religião, nunca! O povinho não gosta!” Sempre achei que lhe apetecia imenso falar disso, só que era membro da Junta de Freguesia lá da terrinha e o assunto merecia algum tento na língua. No entanto, era curioso ouvir um indivíduo falar de arte sacra ou pinturas renascentistas e logo de seguida desbobinar acerca de Marx!
 Hoje não lhe dou razão: a religião deve ser criticada se for caso disso, no que tem de bom, de menos bom ou de mau. Se é verdade que, por vezes, haverá algum exagero, como uma imagem de um nariz papal protegido a circular por aí, não é menos verdade que seguramente se pretende chamar à razão os responsáveis religiosos, muito perros a acompanhar o corrente dia a dia.
Recentemente o mundo assistiu a uma celebração espectacular vinda do Principado do Mónaco. Tudo muito rico, tudo muito belo. Desde os noivos aos convidados, passando pelo esplendor do cenário, foi exibida a riqueza que alguns humanos detêm. Rostos famosos, vestimentas de altos costureiros e muitos, muitos chapéus, alguns bem assentem nos cocurutos, outros de lado, parecendo desafiar a gravidade. Gente em espera ansiosa pela troca de alianças, que se faz com promessas para cumprir, na presença de Deus (por isso é que eles ali estarão!), que pode ser num templo, num descampado, numa escadaria famosa ou num monte, como o Horeb, onde Moisés se descobriu, descalçou e ajoelhou, porque há momentos em que o terreno é sagrado.
Contra a riqueza nada tenho. Existe com o ser humano e as suas naturais diferenças. Ensinaram-me que somente ela se distribui, porque a outra, a miséria, multiplica-se. No entanto, uma coisa é a riqueza, outra bem diferente é a sua ostentação. Foi o que ali se viu. Um aparato de poder monetário, que vem sendo corrente num mundo cada vez menos remediado e cada vez mais pobre. Entristece-me notar que são estes a dar corpo a tão sumptuosas celebrações, esperando horas para ver cortejos, dando vivas, admirando a beleza saída da caixa, e gastando quilómetros de filme, que depois nos entram pela porta dentro.
 A minha maior questão centra-se na Igreja Católica. Claro que tem de estar presente nas celebrações e oxalá tenhamos muitos casamentos por esse mundo fora. Mas deve apresentar-se com simplicidade, não com aquele fausto, só por que a ocasião é laureada pela grandeza. Não tem que haver um grande número de elementos sincronizados, formando carreiro em vai e vem constante; nem a presença de tantos altos representantes, ora tomando assento, ora se levantando: um começa a frase, outro prossegue, o quarto ou o quinto finaliza. Trata-se de um casamento! E com alguma conveniência, diga-se, quanto mais não seja para serenar as vozes apontadas a uma vida de desvario, que a religião muito condena! Como também condena, em cada missa, os excessivos gastos nestas ocasiões e toda a pompa inerente. O Padre lê o Evangelho e recorda os ensinamentos do Mestre, que pregou para ricos e para pobres, criticou ambos na devida ocasião, comeu com uns e com outros, privilegiou o talento, dormiu onde a porta se abriu, ensinou a Boa Nova a todos. E fê-lo sempre com toda a simplicidade…

O TIC no CFPIC

Passados que são cerca de três meses do Curso de Informática no Centro de Formação Para a Industria de Calçado em S. João da Madeira, apetece tecer algumas considerações. Sou, sem qualquer dúvida, um dos formandos que mais têm aproveitado os ensinamentos administrados na sala de aulas já que, olhando em redor, intercalo-me, sem a menor dúvida, no círculo dos menos dotados, tanto no saber como na destreza nestas passadas pelos carreiros da Informática. Estarei, pois, em melhores condições do que a maioria para reconhecer os avanços conseguidos, relativamente ao ponto inicial, uma vez que o meu aproveitamento será, obrigatoriamente, mais notório.
Ao Formador Sérgio há que render uma vénia pela afirmação sem imposição, conhecimento da matéria, método de ensino, presença convincente, preparação prévia das aulas. Na verdade não necessita daquela carranca catedrática visível em muitos responsáveis da classe, para se afirmar perante os alunos. Nada disso. A sua simplicidade na apresentação dos temas, a sua segurança, a sua disponibilidade na explicação, a sua humildade recai nos formandos. E estes sim, sentem que lhes é imposto o dever de demonstrar que vão valendo mais alguma coisa. E tudo se passa serenamente, sem percalços, de mansinho.
Os formandos são treze: seis são as raparigas – a Márcia, a Cláudia, a Sandra, a Graça, a Tina e a Conceição; sete são os rapazes – o Amadeu, o Rui, o Francisco, o Davi, o Albino, o Tiago e o Delfim. Acerca delas e deles, apenas sei dizer que os há bons e menos bons, a julgar pela maior ou menor rapidez na execução dos trabalhos e pela inserção de conhecimentos vários que lhes conferem. Os menos bons que inicialmente deixavam fugir, de quando em quando, o cursor – aquela setinha marota que se escondia pelos recantos do Ecrã – hoje já dedilham o rato com alguma mestria e já percorrem os menus com alguma fluência. Ainda não acompanham os carolas, mas lá vão indo. É mais ou menos a história da lebre e da tartaruga. Não há dúvida que os primeiros são mais primeiros, mas os segundos já não são segundos. Obrigação do Formador? Talvez! Só que o poder de comunicação não é somente fruto de aprendizagem; é, sim, um atributo nato de alguns, que passam a mensagem com naturalidade. E na nossa Sala essa distinção é visível.
A continuar neste ritmo, no final do Curso vamos, em especial os mais novos, sair daqui como bons conhecedores de Informática, prontos para óptimos desempenhos. E, certamente, ficaremos a pensar: “por que não formação em outra área?” Eu estou a pensar em Inglês. Assim se mantenha a oferta vigente de quem manda e, de nós, haja a vontade de aprender. Para já, estamos todos de parabéns!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

As Mulheres ( Parte Dois)

O culto da Deusa Mãe (também denominada de Mãe Terra) terá as suas origens na Pré-história. Representa uma divindade feminina, a mulher fértil, em consonância com o povoamento da Terra e os ciclos produtivos desta. É um culto à Mulher que pare os seus filhos e, paralelamente, à Terra que, das suas entranhas, os alimenta. Os povos curvam-se à sua imagem, adoram-na, clamam por ela: Reia para os gregos ou Cibele para os romanos identificam a mesma Mãe, a mesma Mulher procriadora, que enche as aldeias, que as fortalece e lhes dá esperança.
Os tempos mudam, os exércitos conquistam, as cidades crescem e as deusas recebem os devidos cultos. Agora são belas, voltadas para o amor. A cultura grega ajoelha perante Afrodite, a romana inclina-se a Vénus, a africana homenageia Óxum.
Mas os guerreiros, os estadistas e os supremos das religiões tanto adoram as suas belas deusas, que personificam as mulheres terrenas, como oferecem estas, as virgens, em sacrifícios ao seu deus mais temido, mais exigente de sangue.
Aparte deusas e sacerdotisas (com dois ou mais braços) e, enquanto os anos avançam, a mente humana não muda muito os seus propósitos de punir a Mulher, como expiação dos seus pecados! Nascer mulher é já em si um mal maior: insinua o desejo carnal, simboliza a tentação do demónio! – Gritam os ministros das leis divinas!"Reza minha filha para que a tua beleza se apague depressa!" São comuns os apedrejamentos selvagens para castigar delitos  apontadas,  apenas, a elas. Depois, são torturadas em máquinas diabólicas, são esticadas, desventradas, afogadas, queimadas. Basta conhecer umas ervas curativas ou carregar no corpo um sinalzito, liso ou encabelado, para que lhe seja apontada a inevitável visita de Satanás: "é necessária uma purificação pelo fogo!" Tudo concretizado por uns poucos denominados agentes do senhor, eleitos para travar o avanço do Maldito. No fim, depois de organizar a limpeza de ferros e grilhões, vão ganhar calo a ajoelhar aos pés de Jesus crucificado, que muito pregou o amor, e de Maria, por eles considerada Deusa Mãe, ou não teriam erguido em Seu nome tantos santuários!
Mas as mulheres sobrevivem e vencem. E fazem coisas tão banais, mas tão criticáveis por uma sociedade, que custou a aceitar um simples corte de cabelo, ou o abandono do lenço na cabeça, mais recentemente rendilhado e transparente - hoje, e muito bem, esta mesma sociedade vê muito mal a obrigação de panos a cobrir as mulheres islamitas, que ainda não se livraram dos preconceitos religiosos. E, com grande coragem, começam a usar calças, indiferentes às observações das amigas, das sogras e das outras que, por enquanto, não se atreveram a tal coisa e sempre vão comentando: “pensei que fulana era mais séria”! Os rolos nos cabelos são mais tolerados. E a pasta no bigode! Ah, que engraçada era a expressão do irmãozito a olhar a vermelhidão e as borbulhas: "se calhar a coitada pôs mostarda a mais no bife"! Mas olhando bem: "e aquela coisa branca em volta dos olhos! Nem pestanejam!" E não vale a pena tentar falar com ela, porque não haverá resposta, ou cai por terra o trabalho da pintura de lábios: "coitada, sempre de boca aberta!"
Agora é tudo muito mais simples: as mulheres frequentam amiúde os salões de beleza e sujeitam-se a coisas estranhíssimas; por vezes ficam sentadas horas debaixo dum capacete mais esquisito que os dos astronautas! Mas que saem de lá mais belas, lá isso saem! E até  começam a exigir que os companheiros também façam coisas, como depilações, algumas em zonas que, só de pensar, causa arrepios! Vão ao ginásio bufar um bocado e não esquecem as braçadas na piscina. E não é raro perguntar-se à sogra pela nora, porque ultimamente não se lhe tem posto a vista em cima, e obter respostas como esta: "a minha nora agora chega sempre muito tarde, sabe; trabalha muito e, depois, ora vai ao ginásio pegar nuns pesos, ora vai lavar o cu à piscina!"
São, as nossas mulheres de hoje, mais belas, mais atrevidas, mais conscientes da vida como ela é, ou deverá ser. Exigem delas e exigem deles: seja na divisão de algumas tarefas caseiras, seja nos assuntos sexuais, de que já não fazem tabu. E até vão dando uma ajudinha aos mais necessitados, com lingeries transparentes, vermelhas, reduzidas a um fio; por vezes com gestos que outrora seriam impensáveis numa senhora honrada. As mais velhinhas ainda não aceitam isto. Ainda é comum ouvir-se: "oh meu filho, o falecido nunca me viu"! E terá alguma razão, porque o dito trabalhava no duro, jantava o pouco que havia, ia até à venda do ti João, jogava à bisca, bebia mais dois copos, contava uma anedota e ouvia outras e, quando chegava a casa alegrote e bem-disposto, pensava apenas, e sem perda de muito tempo, soltar um cabeçudo enrabichado – entre os bastantes, o mais atrevidote. Daria, assim, razão ao padre-cura que, em todos os Domingos, sempre pregava em alto e bom som: "os filhos são a nossa maior alegria"

A Mulher de hoje continua a ser adorada. De maneira diferente, é certo, mas do modo que ela quer. Traça o seu rumo, marca o seu objectivo e o Planeta vai acompanhando, vai aceitando. Ocupa as empresas com mestria, está presente nos Parlamentos marcando pontos, chega  à chefia dos Governos com brilho e competência. Quem sabe, um dia, não atinge o topo  das  religiões, por ora intransigentes! Gostaria de ver… No entretanto, para uma delas  com enorme importância já temos o nome no feminino...

terça-feira, 14 de junho de 2011

As Mulheres

Segundo as Escrituras a mulher saiu do homem, para depois o homem sair da mulher. O Livro conta que foi retirada uma costela ao primeiro macho, com o intuito de criar uma fêmea para lhe fazer companhia, uma vez que, ultimamente, ele andava muito sisudo, nervoso e já não brincava com os outros animaizinhos; pelo contrário, encostava-se a um canto isolado, quebrado, incapaz de qualquer reacção. Por outro lado, uma segunda criação permitiria corrigir certos aspectos, que só ocorrem após uma verificação exaustiva. Costuma dizer-se que a obra quando acaba devia estar a começar. Este caso não era muito diferente: O macho apresentava um queixo demasiado saliente e a fronte a modos que fugia para trás, num plano inclinado. Era um rosto com aproximação óbvia para o focinho. Por outro lado a inteligência não primava pela abundância.
Assim, enquanto macho dormia fez-se a operação, sem que ele se apercebesse. Não foi necessária anestesia nem pancada na cabeça, porque a Deus tudo é possível. Assim como o operado ter ficado completo, sem defeito, a caminhar sem inclinação. E com menos um osso!
Quando o macho acordou sentiu de imediato uma respiração ao lado. Ali estava aquela criatura, num sono profundo, sossegado. E gostou do que viu. Olhou, bastante admirado e voltou-se para o Céu num murmúrio: “Quem é?!” Pelos vistos não obteve resposta, certamente por que ainda não tinha qualquer feito que merecesse algum diálogo; nem sequer se atrevera a fazer um mísero holocausto, com um coelhito ou uma pomba! E nestas coisas tem que haver sempre uma troca, senão não será possível um reconhecimento… Mesmo assim, voltou-se para Nascente, ajoelhou e agradeceu.
O macho olhou mais uma vez para a sua companhia e notou algo de diferente: Ela tinha dois altos no meio, ali bem em frente. Os bicos eram parecidos com os seus, mas estavam no centro de dois inchaços, que ao toque eram bem macios… E gostou do que viu. Verificou de novo, virou-se dum lado, virou-se do outro e, nesta observação pormenorizada, reparou numa falha, no seu entender, enorme. Faltava-lhe aquela coisa! Melhor, pensou. No outro dia tinha batido com aquilo num tronco de árvore e doeu. Mas lá que era estranho, era! Tornou a olhar para o Alto: “como é que isto aconteceu!?” Não houve resposta, de novo. Assim sendo, o melhor seria analisar com mais atenção, uma vez que pêlo havia… E foi nesse momento que o seu espanto aumentou! Chegou-se melhor. E gostou do que viu. Espreitou, chegou-se ainda mais e, como se não nos ensinam a gente inventa, o nariz experimentou uma humidade com odor indecifrável. Não… não parecia adequado e era até desconfortável… Convenhamos que o primeiro nariz não fora concebido com aquela finura que muito mais tarde conseguiu ter, mercê dum natural aperfeiçoamento dos seres vivos. Aquele não era aquilino, mas antes bastante achatado. Mas foi nesse preciso momento que, ou por sabor ou por cheiro ou por outra qualquer circunstância de que nunca chegaremos a saber, o macho sentiu um estremecimento da cabeça aos pés, como se fora uma faísca em correria louca, e ergueu-se bem para cima em busca duma resposta cabal de todos os deuses… Então entendeu! Realmente o nariz não era apropriado!
Entretanto a fêmea acordou do seu longo sono de criação. Nesse momento dormia a seu lado aquela criatura! Roncava e “fervia papas”, circunstância menos agradável. Procedeu à sua análise e não precisou de muito tempo para compreender a sua missão. Olhou o ambiente, aspirou o ar e sentiu-se bem, muito bem, muito confiante. Levantou-se, deu uma volta curta, refrescou-se num riacho ali perto, comeu um fruto, experimentou uma certa vibração, tornou a olhar em redor. E gostou do que viu. Quando o companheiro acordou, ela já estava ali sentada. Sorriu para ele, divertiu-se com os seus gestos meio desastrados, pegou-lhe na mão e pôs-se a seu lado. Gesto simples e inteligente, revelador duma soberba criação, que viria a aperfeiçoar-se com o decorrer do tempo. Com um sorriso levou-o para o primeiro reconhecimento territorial do ser humano.
Seguem-se dias de grande felicidade. A mulher, nome entretanto dado à fêmea, denota mais harmonia, mais saber escondido, até caminha com mais elegância. Por outro lado não apresenta aqueles humores desproporcionados que se vêem nele. Muito dedicada ao seu cantinho, mantém-no sempre limpo, bem cuidado. Apanha umas flores e coloca-as num buraco da rocha. Distribui as frutas, então colhidas, uma para ele (a maior), outra para ela. Vê-o embevecido, até meio apalermado, e acha piada. “Como é tão fácil alegrá-lo!” A vida a dois promete ser bonita. Quando ele se afasta para caçar, ela colhe margaridas, faz duas braceletes e um colar, adorna-se e aguarda, para mais uma vez sentir aquele prazer de o ver completamente derretido. Está divertida!
Quando vem a noite e o companheiro dorme, sempre ruidoso, a mulher permanece mais tempo acordada, o que lhe permite observar, pensar e idealizar melhor as tarefas para o dia seguinte. E num destes momentos em que ela olha o firmamento, levanta os joelhos e abre-os ligeiramente, ficando, assim, exposta. - Muito mais tarde e, em alusão a esta postura, Saramago, num discurso frontal, sem rodeios, escreverá que “assim têm de estar abertas as pernas das mulheres para o que entra e para o que sai”. E é no momento referido que ela imagina que duas daquelas estrelas são os olhos do companheiro bem juntos dos dela, numa posição mais cómoda, mais compatível com sua origem humanóide. Seria tempo de melhorar uma situação de que somente ele desfrutava, com apetites cada vez mais frequentes e com uma rapidez imprópria; acto desinteressante, desconfortável, dorido, bruto, rudimentar. Um frete! Ademais aquela manápula na nuca é humilhante! Frente a frente haveria uma mistura de sentimentos, um arfar conjunto. As bocas viriam a unir-se muito mais tarde.
Iria convencê-lo, sem dúvida, para as atitudes que ela achava melhor. Para ele a caça era o ideal. Fazia-lhe bem descarregar toda aquela rudeza, aquela valentia de macho dominante para, depois, regressar com algum bicho ao ombro, mais sereno, mais cooperante, mais dócil. O comer a carne em conjunto também reforçava a união.
Na planície, agora chamada Aldeia, já há várias mulheres e também há homens, circunstância perfeitamente natural. Não o será da mesma forma, quando a existência de casais também abunda, porque se o primeiro filho conheceu mulher, temos aqui uma situação aberrante, que será melhor não adiantar. Forma-se, então, uma comunidade. Percorrem-se grandes espaços, exploram-se os montes, varia-se a comida, assam-se os bichos. Enquanto eles se juntam a um canto a descrever façanhas e a aumentar as babosices, as mulheres prosseguem a lida, organizam-se, tornam-se o centro da família, aquecem o espaço, planeiam as acções. Ainda não votam no candidato a chefe tribal, mas é necessária paciência. Tudo a seu tempo.
Na ausência deles as mulheres juntam-se e conversam sobre tudo. Contam peripécias, descrevem comportamentos, pedem opiniões, confidenciam incompetências na hora da verdade e, especialmente, riem, riem muito. Estão francamente divertidas! Encontram soluções e preparam-se para os seus ensinamentos, de forma discreta, sem ofender susceptibilidades, prontas a reforçarem a união e a mostrarem que, por vezes, o caminho se faz apontando o dedo na direcção certa quando a realização quotidiana é menos conseguida…
O espaço a conquistar é, por ora, este. Nada de extraordinário. Outros muito maiores e exigentes se seguirão. Mas as mulheres estão cientes do seu poder, da sua perseverança e do esperado êxito. Elas pensam, planeiam, realizam e esperam…

terça-feira, 7 de junho de 2011

o Amor

O amor começou com a história de Eva e Adão. Temos como fundo o Paraíso com toda a sua beleza: Muita verdura, muitas árvores, riachos, enfim, um local encantado, abençoado e partilhado por dois corpos nus, desfrutando do excelente ambiente e entregando-se a todos os prazeres da boa vida que lhes havia sido permitida. Mas o olho que tudo vê lá estava em observação constante, ajuizando as acções. E muitas vezes o Senhor terá corado de vergonha ao presenciar a volúpia daqueles dois e, quem sabe, terá até tapado os supremos e sensíveis ouvidos, perante uns ruídos até então desconhecidos. O fruto da Sua sábia criação, o Seu expoente máximo demonstrava um estranho comportamento. Seria possível que um simples fruto, por mais sagrado que fosse, proveniente da douta árvore proporcionasse esta tamanha satisfação!? Havia sido dada uma ordem simples: “ multiplicai-vos”. O Senhor não se lembrava de lhes ter ordenado que cometessem tais impropérios. Nem poderia! A Sua divina sabedoria jamais seria capaz de lhes ensinar tais coisas! Uma reflexão profunda era necessária, assim como uma tomada de posição.

Veio a serpente, a maçã, a vergonha da nudez, vieram as parras, veio o motivo oportuno para resolver tamanho problema. Foram Eva e Adão expulsos do Éden: “Se quereis entregar-vos a tamanhos desmandos, praticai-os lá fora”. Ficou assim o jardim vazio de homem e mulher, porque o Senhor não se atreveu a repetir tal criação. E para afirmar a Sua ordem, colocou na entrada um anjo armado de espada flamejante, instrumento que virá, mais tarde, a ser copiado por Darth Vader e Luke Skywalker nas suas contendas galácticas de pai e filho.

Mas o amor não acaba, não pode acabar. E surge até entre os deuses, repleto de peripécias, de azedumes, de ciúmes, de tragédias. Recordemos Cibele e Átis, Afrodite e Adónis. Também acontece em situações mais terrenas, levando povos à guerra, como a de Tróia, com Helena e Páris em protagonismo. Entre reis, com Cleópatra e Marco António. Não esqueçamos, também, os romances de cavalaria. E mais pertinho de nós, tivemos Julieta e Romeu.

Portanto, vistas as coisas, o Senhor apenas não quis a paixão dentro do Jardim. Lá era um lugar sagrado; e em lugares assim não pode haver pecado. Cá fora está um pouco por conta dos humanos: multiplicar agrada ao Senhor e, se para isso, for necessário cortejar e dar todos aqueles passos até ao êxtase, pois bem, assim seja.

Então, o amor amadureceu, cresceu em qualidade, cresceu em número. Vemo-lo por aí na rua, nos bancos de jardim, nos parques, mais escondido, mais às claras, fazendo jus ao nome, trocando salivas, misturando fluidos. Tudo com a generosa graça de Deus. Antes o rapaz olhara a rapariga e sentira uma vibração por todo o corpo. Dilataram-se todos os poros e parecera que todos os pêlos se haviam encrespado. Era aquela a mulher da sua vida. Tinha de a conquistar! E agora os dois já fazem parte do rol dos namorados, a arrulhar por todos os cantos, com mais ou menos timidez, mas nunca na frente do futuro sogro. Junto dela o tempo passa demasiado depressa, numa felicidade indescritível; sem ela o relógio não avança, num tormento atroz. Receia perdê-la. Ocorrem-lhe toda a espécie de pensamentos negros. Vê o mundo como um perigo constante a ameaçar a existência da sua amada. “Como estará ela? Terá comido bem? Será que traz aquele vestido azul? Preferia que trouxesse calças. Estará a pensar em mim?” Oh, como seria bom fundir-se com ela em corpo e espírito: comer o que ela come, caminhar com os seus passos, olhar o que ela vê, sentir o que ela sente, dormir o seu sono e apegar-lhe o seu amor para que ela não pudesse, jamais, fugir. É um sentimento ardente, amargo, consolado, dorido, inquieto, feliz. E esses pensamentos rebuscados levam-no sempre a um recolhimento. E, por vezes, lê. E lê Camões:

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

                       
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?

Mas a seguir é outro dia. É um daqueles dias! E os dois apaixonados, mesmo que ainda não amantes, vão conhecer-se, aproximar gostos, virar o avesso, tolerar-se, amar-se. Será um amor diferente do dos pais ou avós, de quem num futuro próximo se afastarão. Será um amor profundo, apaixonado, completo. Ela será a sua melhor amiga, que o ouvirá e ajudará em todos os momentos, melhores ou piores; será como a sua mãe que dele tratará como se dela fosse; será a sua amante, que com ele partilhará a felicidade, o prazer. E mais tarde os dois recordarão todos os momentos que em si próprios encontraram alimento, comendo-se e roendo-se desvairadamente, como se o mundo fosse acabar, ou temessem que a tal ordem de expulsão não se confinasse ao Paraíso e chegasse ali ao quarto.

E a seta de Cupido prossegue incessante e atinge onde menos se espera. E mais um rapazito olha para trás e mira as formas roliças da rapariguita. Ela apercebe-se, olha também para trás, sorri satisfeita, toda vaidosa, orgulhosa do que tem, ciente do que vale, da atracção que a rodeia, da realidade da sua formosura, do seu andar rodopiante, do seu menear de cabeça, do seu peito erecto, da sua resplandecência.

E o outro rapaz, ao lado do rapazito, com uma observação mais cuidada, mais material, mais adulta, mais desejosa, pensará de outra forma, com mais ou menos saliva: há realmente um Deus algures…

terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma tarde de Outono

Era uma tarde de Outono, com temperatura bem agradável. Umas nuvens altas cobriam o céu e viam-se bem as cores garridas do ambiente circundante.
Do alto da minha varanda, sentado numa confortável cadeira de plástico, olhava em frente para uma zona abandonada, onde crescia toda a espécie de arbustos. Notava-se que havia sido um local de cultivo, a julgar pelos arames ferrugentos que demarcavam vários talhões. Reparei, então, numa ratazana, que saiu da toca e se esgueirou rapidamente pelo combro. Veio para cá, depois para lá, e meteu-se de novo no buraco. Um gato aproximou-se, aí a meio metro de distância, aquietou-se, recuou e afastou-se rapidamente. Era um gato branco, corpulento e muito peludo. Reconheci ser a gata da dona Josefina.
A Dona Josefina (mais conhecida por Fina) era uma solteirona com certo peso. Ostentava uma proeminente barriga e mostrava um pouco (muito pouco) que era dona dumas pernas que iniciavam considerável enchimento logo a seguir aos calcanhares. Uma cabeleira farta pintada de amarelo e uma cara bem bonita, bem rechonchuda, com uns lábios carnudos, uns olhos grandes e vivos ditavam a sua bem disposta aparência. Os seios, bem… os seios formavam um rêgo (que a senhora fazia questão em mostrar) vincado entre dois planaltos achatados no meio. Cada vez que a via, era-me completamente impossível não mirar aquelas protuberâncias em constante subida e descida numa tentativa (achava eu) de fugir ao aperto que a blusa as sujeitava. E não sei porquê, lembrava-me sempre duma imagem que tinha visto do Grand Canyon. Esta senhora, que teria aí uns cinquenta anos, apesar de marcar bem os pés num chão menos duro, era dona duma vivacidade capaz de encher de raiva muitas das novatas da zona.
Por baixo, ao nível da estrada, estava sentado o Sr. José Quintã numa saliência do desnível que havia entre a estrada e um pequeno protótipo de jardim. Apeteceu-me dar um dedo de conversa e resolvi descer. Estava próxima a hora de jantar, mas ainda dava para uns minutinhos. O Sr. José era um homem de meia-idade, forte, e usava um bigode grisalho e farto, daqueles que retêm bastante sopa, lembrando uma manhã de intenso orvalho. Andava sempre bem vestido, apesar da sua viuvez, havia uns dois anos.
Quando saía de casa, encontrei-me com a dona Mariana, que morava no prédio em frente, o
mesmo em que vivia o Sr. José Quintã. Era uma senhora viúva há já algum tempo. Vivia com uma irmã bastante mais nova, que desistira de esconder o seu aspecto de mulher encruada. As más-línguas diziam que a Dona Mariana só saía de casa quando a irmã não estava. Pelos vistos a senhora estaria só naquele dia.
 A dona Mariana era uma mulher entroncada, de coxas fortes e pernas a descer com simetria. As ancas eram francamente roliças e duma generosidade ímpar. Andaria pelos quarenta anos, mas apresentava uma cintura impecável. Havia quem dissesse que usava cinta. Invejas. O rosto não era muito bonito, mas aquele sorriso, aqueles cabelos pretos, aquela boca grande sempre pintada de rosa e, melhor, sempre entreaberta davam cabo dos entradotes cheios de baba interior e pensamentos obscenos. Usava sempre saias muito travadas e pelos joelhos, que obrigavam a que todo corpo se meneasse, para acudir à passada larga. Com sapatos bem altos, a desafiar a resistência dos saltos exageradamente finos, a dona Mariana passou pelo Sr. José e sorriu-lhe, correspondendo ao bom-dia recebido. Naquela altura levava uma saia vermelha a fazer cova logo a acabar o tronco e um casaco curto branco de pêlo algo comprido.
Cheguei perto do Sr. José Quintã.
- Bom dia Sr. José. Reparou na gata ali em frente?
O homem olhou-me de um modo bastante estranho, mas não liguei.
- Então não havia de ter reparado!?. Uma coisa destas não passa despercebida a um homem. Deus é grande, Deus é perfeito…
- Então viu o medo que ela tem das ratazanas. Fugiu logo. Desceu pela rua abaixo.
O homem tornou a olhar-me de soslaio.
- Toda a fêmea tem medo dos ratos. E então esta tem toda a razão. Ratos atrás dela é o que mais se vê por aí. Sem decoro, sem respeito por uma senhora de porte!
- Sr. José, estou a falar da ratazana, que passou ali no combro! E a gata da dona Josefina, que fugiu a sete pés!
- Ah… isso. Não, não vi.
- O Sr. José tem um fraquinho por ela , não tem? Confesse lá.
- De nenhum modo! Lá por que a senhora passa aqui e me cumprimenta, não quer dizer que pudesse haver alguma coisa!
- Não me refiro à Dona Mariana. Estou a falar da Dona Josefina.
- Ah… cá para nós, aqui há tempos falei-lhe, compreende? Ela ficou assim… Desisti.
- Nem parece seu, homem. Ela é livre, o senhor é livre… Diga-me uma coisa,  acha que ela ainda tem … bem, que ela  ainda tem aquela pelezita?
- Ora eu sei lá! Mas sabe, uma situação dessas faz-me confusão na cabeça. Havia de haver uma lei que proibisse tais coisas… Aliás a gente nem sabe se elas serão, depois, bem recebidas  lá em cima…
- Oh Sr. José, isso não tem nada a ver!  Mas que faz cá um formigueiro, lá isso faz.
Entretanto a Dona Mariana vinha ao fundo com um saco de compras. Passou por nós, com o mesmo andar, o mesmo sorriso, o mesmo ar triunfante e a mesma…. aquela coisa que provoca um silêncio de morte, que nos obriga a engolir em seco, mas que no fundo, nos tira qualquer reacção… e tudo o mais. Passou… e os dois admirámos tudo muito bem, com aquela coragem própria de machos valentes, que observam sem vacilar, mas somente por trás.
Chamaram-me para jantar e despedi-me do Sr. José.
Ao entrar no prédio pus um último olhar ao apartamento da Dona Mariana. Ela estava a pendurar uma toalha na janela. Pensei que já não era a primeira vez que havia reparado naquela toalha. E naquele momento achei que era sempre qundo não estava a irmã. Também notei que o Sr. José Quintã acabava de entrar de mansinho no prédio. E olhou em volta.


sábado, 28 de maio de 2011

O sonolento

O sonolento é alguem muito parecido comigo, como estou de momento. A gente olha, mas vê pouco. Afirma para a pessoa ao lado, mas vê-a meio desfucada.
O esforço dispendido para manter ambos os olhos abertos torna-se bastante curioso: eles abrem e fecham, e, por vezes lacrimejam. É daquelas alturas em que um mini limpa-brisas fazia muito jeito.
Visto de frente, ou seja, visto pelo parceiro, a coisa é bem mais caricata. Os olhitos de cabrito mal morto, acompanhados duns acenos de cabeça, de franca concordância com o que se ouve ou vê, tornam o momento francamente divertido.
O esforço dispendido na tentativa de esconder a situação completa o cenário. A gente abana-se para a frente, como se o movimento seja natural, uma espécie de tique: olhem para mim, não estou a "sornar", isto é uma contingência duma situação puramente genética; quando estou francamente concentrado os meus sentidos tornam-se mais dormentes, dando lugar à verdadeira inteligência que emana por todos poros; torno-me num verdadeiro criador...