Era uma tarde de Outono, com temperatura bem agradável. Umas nuvens altas cobriam o céu e viam-se bem as cores garridas do ambiente circundante.
Do alto da minha varanda, sentado numa confortável cadeira de plástico, olhava em frente para uma zona abandonada, onde crescia toda a espécie de arbustos. Notava-se que havia sido um local de cultivo, a julgar pelos arames ferrugentos que demarcavam vários talhões. Reparei, então, numa ratazana, que saiu da toca e se esgueirou rapidamente pelo combro. Veio para cá, depois para lá, e meteu-se de novo no buraco. Um gato aproximou-se, aí a meio metro de distância, aquietou-se, recuou e afastou-se rapidamente. Era um gato branco, corpulento e muito peludo. Reconheci ser a gata da dona Josefina.
A Dona Josefina (mais conhecida por Fina) era uma solteirona com certo peso. Ostentava uma proeminente barriga e mostrava um pouco (muito pouco) que era dona dumas pernas que iniciavam considerável enchimento logo a seguir aos calcanhares. Uma cabeleira farta pintada de amarelo e uma cara bem bonita, bem rechonchuda, com uns lábios carnudos, uns olhos grandes e vivos ditavam a sua bem disposta aparência. Os seios, bem… os seios formavam um rêgo (que a senhora fazia questão em mostrar) vincado entre dois planaltos achatados no meio. Cada vez que a via, era-me completamente impossível não mirar aquelas protuberâncias em constante subida e descida numa tentativa (achava eu) de fugir ao aperto que a blusa as sujeitava. E não sei porquê, lembrava-me sempre duma imagem que tinha visto do Grand Canyon. Esta senhora, que teria aí uns cinquenta anos, apesar de marcar bem os pés num chão menos duro, era dona duma vivacidade capaz de encher de raiva muitas das novatas da zona.
Por baixo, ao nível da estrada, estava sentado o Sr. José Quintã numa saliência do desnível que havia entre a estrada e um pequeno protótipo de jardim. Apeteceu-me dar um dedo de conversa e resolvi descer. Estava próxima a hora de jantar, mas ainda dava para uns minutinhos. O Sr. José era um homem de meia-idade, forte, e usava um bigode grisalho e farto, daqueles que retêm bastante sopa, lembrando uma manhã de intenso orvalho. Andava sempre bem vestido, apesar da sua viuvez, havia uns dois anos.
Quando saía de casa, encontrei-me com a dona Mariana, que morava no prédio em frente, o
mesmo em que vivia o Sr. José Quintã. Era uma senhora viúva há já algum tempo. Vivia com uma irmã bastante mais nova, que desistira de esconder o seu aspecto de mulher encruada. As más-línguas diziam que a Dona Mariana só saía de casa quando a irmã não estava. Pelos vistos a senhora estaria só naquele dia.
A dona Mariana era uma mulher entroncada, de coxas fortes e pernas a descer com simetria. As ancas eram francamente roliças e duma generosidade ímpar. Andaria pelos quarenta anos, mas apresentava uma cintura impecável. Havia quem dissesse que usava cinta. Invejas. O rosto não era muito bonito, mas aquele sorriso, aqueles cabelos pretos, aquela boca grande sempre pintada de rosa e, melhor, sempre entreaberta davam cabo dos entradotes cheios de baba interior e pensamentos obscenos. Usava sempre saias muito travadas e pelos joelhos, que obrigavam a que todo corpo se meneasse, para acudir à passada larga. Com sapatos bem altos, a desafiar a resistência dos saltos exageradamente finos, a dona Mariana passou pelo Sr. José e sorriu-lhe, correspondendo ao bom-dia recebido. Naquela altura levava uma saia vermelha a fazer cova logo a acabar o tronco e um casaco curto branco de pêlo algo comprido.
Cheguei perto do Sr. José Quintã.
- Bom dia Sr. José. Reparou na gata ali em frente?
O homem olhou-me de um modo bastante estranho, mas não liguei.
- Então não havia de ter reparado!?. Uma coisa destas não passa despercebida a um homem. Deus é grande, Deus é perfeito…
- Então viu o medo que ela tem das ratazanas. Fugiu logo. Desceu pela rua abaixo.
O homem tornou a olhar-me de soslaio.
- Toda a fêmea tem medo dos ratos. E então esta tem toda a razão. Ratos atrás dela é o que mais se vê por aí. Sem decoro, sem respeito por uma senhora de porte!
- Sr. José, estou a falar da ratazana, que passou ali no combro! E a gata da dona Josefina, que fugiu a sete pés!
- Ah… isso. Não, não vi.
- O Sr. José tem um fraquinho por ela , não tem? Confesse lá.
- De nenhum modo! Lá por que a senhora passa aqui e me cumprimenta, não quer dizer que pudesse haver alguma coisa!
- Não me refiro à Dona Mariana. Estou a falar da Dona Josefina.
- Ah… cá para nós, aqui há tempos falei-lhe, compreende? Ela ficou assim… Desisti.
- Nem parece seu, homem. Ela é livre, o senhor é livre… Diga-me uma coisa, acha que ela ainda tem … bem, que ela ainda tem aquela pelezita?
- Ora eu sei lá! Mas sabe, uma situação dessas faz-me confusão na cabeça. Havia de haver uma lei que proibisse tais coisas… Aliás a gente nem sabe se elas serão, depois, bem recebidas lá em cima…
- Oh Sr. José, isso não tem nada a ver! Mas que faz cá um formigueiro, lá isso faz.
Entretanto a Dona Mariana vinha ao fundo com um saco de compras. Passou por nós, com o mesmo andar, o mesmo sorriso, o mesmo ar triunfante e a mesma…. aquela coisa que provoca um silêncio de morte, que nos obriga a engolir em seco, mas que no fundo, nos tira qualquer reacção… e tudo o mais. Passou… e os dois admirámos tudo muito bem, com aquela coragem própria de machos valentes, que observam sem vacilar, mas somente por trás.
Chamaram-me para jantar e despedi-me do Sr. José.
Ao entrar no prédio pus um último olhar ao apartamento da Dona Mariana. Ela estava a pendurar uma toalha na janela. Pensei que já não era a primeira vez que havia reparado naquela toalha. E naquele momento achei que era sempre qundo não estava a irmã. Também notei que o Sr. José Quintã acabava de entrar de mansinho no prédio. E olhou em volta.
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